quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

PARA REFLETIR


 
Ilustração David Alfonso Suárez
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Os festivais literários, como se sabe, viraram moda. Muitas vezes me pergunto se alguém tem ainda tempo para ler livros, no meio de tanta peregrinação entre debates e conferências. A literatura é o antiacontecimento por excelência, a arte que sussurra a eternidade dos sentimentos e ações humanas, sob as aparências. Os festivais são o oposto disso: luz, palco, evento, atualidade. Editores, livreiros, políticos e promotores alegam que os festivais ampliam o número de leitores. Sendo otimista por desespero ou impaciência (depende dos dias), quero acreditar que sim.
No Brasil, em Portugal ou em Porto Rico, o público desses festivais é majoritariamente feminino. Questão genética? E há também rebanhos de estudantes. Curiosamente, não conheço nenhum festival de literatura juvenil. Os vampiros de Stephenie Meyer e os alunos de feitiçaria de J. K. Rowling encheriam plateias, sem dúvida. Mas há uma juvenilização acelerada da composição dos festivais literários porque os escritores são hoje promovidos como pop stars, e pululam os galardões para autores com menos de 35 anos.
O que sobra desses eventos? Na melhor das hipóteses, a felicidade. A escritora cubana Karla Suárez e o escritor espanhol José Manuel Fajardo conheceram-se há nove anos no maior festival literário português, o Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, e estão juntos até hoje. O Correntes d’Escritas reúne, há 12 anos, escritores de língua portuguesa e espanhola de todas as partes do mundo. O fato de todos os convidados ficarem instalados num mesmo hotel, sobre o mar, e de as noites serem dedicadas a recitais e lançamentos de livros no próprio hotel faz com que o convívio se torne mais estreito e informal.
No Brasil, o modelo da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, é imbatível. Em primeiro lugar, pelas condições oferecidas, como a viagem extra para o ou a acompanhante – aproveitei para levar comigo em 2008 a fantástica escritora portuguesa Patrícia Reis. Em segundo lugar, pela localização, na paradisíaca (embora pedregosa) e pequena Paraty, e pela astuta ideia de mediar a comunicação com o público através da escrita – perguntas escritas tendem a ser, de fato, perguntas, e não conferências chatas ou incompreensíveis, como tantas vezes sucede quando o microfone é entregue ao público. Além disso, as entradas são pagas, e está sempre cheio. O que prova que a literatura, pelo menos uma parte dela, mobiliza de fato as pessoas. Para um escritor, é consolador encontrar um público que paga para o ouvir.
Ouço inúmeros relatos de escritores machos sobre convites e propostas, com diferentes graus de inocência e lubricidade, das suas ou seus leitores. Escutando-os, fico com pena de não ter acesso a essa Ilha dos Amores. Venho há anos realizando uma sondagem entre as mais variadas escritoras e concluo que essa discriminação é geral: não, nós, as mulheres, não recebemos pedidos sussurrados para acrescentarmos ao autógrafo o telefone ou o número do quarto, ao contrário do que acontece com os homens. Será porque escrevemos pior? Recebemos muito menos prêmios literários e somos muito menos traduzidas do que os homens. Quem me alertou para esse dado foi o meu agente literário, insuspeito porque é homem e norte-americano.
Apesar dos meus esforços – nunca digo não a um convite para o Brasil, desde que conheci o país e me apaixonei cegamente por ele –, ainda não consegui conhecer todos os festivais literários brasileiros. Espanta-me a variedade. Recordo a magia das Jornadas Literárias de Passo Fundo, numa tenda de circo imensa, com um público vibrante que nos fazia sentir estrelas de rock. Lembro a multiplicidade de propostas do Fórum das Letras de Ouro Preto e guardo boas memórias da Festa Portuguesa de Cabo Frio, onde há uns anos me tornei amiga do romancista Luiz Ruffato, e das noites de conversa na Fliporto, em Pernambuco. Agora preparo-me para conhecer a Tarrafa Literária, em Santos. Sei que trarei boas memórias porque vou encontrar amigos de verdade, desses que nos iluminam os sonhos. No Brasil moram alguns dos meus melhores amigos –e eu prezo a amizade acima de todas as coisas. Uma questão de palavra, ainda e sempre.

Inês Pedrosa é escritora, autora dos romances Fazes-Me Falta e Os Íntimos, entre outros.

Inês Margarida Pereira Pedrosa (Coimbra, 15 de Agosto de 1962) é uma jornalista e escritora portuguesa. Publicou o seu primeiro texto na revista Crónica Feminina, tinha apenas catorze anos. Aos vinte e dois licenciou-se em Ciências da Comunicação, na Universidade Nova de Lisboa. Estreou-se como jornalista profissional em 1983, na redação de O Jornal (actual revista Visão). Estreou-se na literatura em 1991, com o livro infantil Mais Ninguém Tem, seguindo-se o seu primeiro romance, A Instrução dos Amantes, em 1992. Nas Tuas Mãos, de 1997, valeu-lhe o Prémio Máxima de Literatura, e Fazes-me Falta, em 2003, consolidou-a como uma das principais romancistas da actualidade. Em 2005, a partir de Nas Tuas Mãos e Fica Comigo Esta Noite, assinou a sua primeira peça de teatro, 12 mulheres e 1 cadela, dirigida por São José Lapa.
 
 
Fontes: Revista Bravo e  cafecomletrasdf.blogspot.com

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