Como encontrar a
Maga? Onde está a Maga? Mas por que é preciso encontrar a Maga? São
algumas das premissas que Julio Cortázar lançou mão em O jogo da
amarelinha, talvez o romance que melhor colocou em perspectiva que
literatura é sorte e azar, destino e acaso. É decisão. A personagem da
Maga é o amor que pode se transformar em morte; a estrada que se bifurca
entre paraíso e inferno. Cabe ao leitor escolher o caminho e seguir.
Tudo depende da próxima página. Cortázar armou uma obra aberta, mas com
certas regras a serem obedecidas: posso ler seus 155 capítulos na ordem
que preferir. Posso começar no de número 56, voltar para o de número 12 e
depois correr para o de número 98. Cada combinação escolhida dá à
trama, e às personagens, diferente colorido. Cada combinação traz como
Prêmio uma nova Maga.
Até hoje causa
polêmica a arquitetura do clássico de Cortazár. Talvez não seja sua obra
mais perfeita, ainda que tenha resultado em seu trabalho com maior grau
de radicalidade. Lembrar Cortazár é fundamental no momento em que
expressões como jogo, gamificação e o neologismo ergódico são colocadas
em perspectiva para retratar uma literatura lúdica, competitiva e
exploratória como um futuro possível ou mesmo irremediável. Ler como um
jogo. Não mais um “jogo da amarelinha” (essa brincadeira infantil hoje
tão anacrônica), mas uma disputa entre leitores ou entre o autor e seus
leitores (quem tem mais controle sobre a trama? Quem sabe melhor o
destino dos personagens?). Até a Academia Brasileira de Letras entrou na
discussão e realizou no final de novembro o seminário Jogos e educação:
presente e futuro.
Os games são uma
nova forma de criar, capaz de influenciar a produção literária e outros
tipos de arte. Para o professor norueguês Espen Aarseth, da Universidade
de Bergen, “os jogos mudam a maneira como leitores e autores vêem o
mundo. Isso fica óbvio à medida que autores que cresceram com games
começam a escrever”. E continua: “cada vez mais pessoas passam tempo em
experiências lúdicas, exploratórias, competitivas, que são games, em
contraste com a literatura tradicional, passiva e linear”.
Pensar na leitura
como um jogo talvez seja uma forma de reapresentar a ficção para novos e
novíssimos leitores em tempos de tablets e “computadores-luz”, para
“roubarmos” aqui uma expressão de Caetano Veloso. Mas quem sabe a
leitura seja em essência uma competição, uma enorme competição, em que o
escritor arma o seu tabuleiro, cria as artimanhas de algumas regras e
assim procura seduzir prováveis “jogadores”? Ao aproximarmos a palavra
“jogo” da palavra “literatura” com tamanha ênfase agora acreditamos
estar no caminho de resgatarmos a importância da ficção, encontrando uma
nova “função” para ela. Mas há décadas Cortázar já nos alertou: ler é
jogar.
A Fliporto 2013
entrará na discussão com o tema “A literatura é um jogo” porque sabe que
um festival literário precisa ecoar o zeitgeist no qual vivem todas as
peças envolvidas no universo do livro. Só não poderemos dizer que iremos
começar a “jogar”, porque como advertiu o mestre argentino: estamos
jogando desde sempre. A diferença é que em 2013 nossa missão é
abertamente encontrar a “verdadeira Maga”.
Antônio Campos
Advogado, Escritor, Editor, Membro da Academia Pernambucana de Letras e Curador da Fliporto.
camposad@camposadvogados.com.br
Advogado, Escritor, Editor, Membro da Academia Pernambucana de Letras e Curador da Fliporto.
camposad@camposadvogados.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário